7 de Outubro: O destino visual dos reféns

As imagens dos crimes de 7 de outubro suscitaram, para além de um choque bem compreensível, inúmeros debates: dever-se-ia mostrar o horror que os terroristas do Hamas filmaram e difundiram ? Emmanuel Taïeb interroga aqui o destino dessas imagens e os usos políticos que delas se fizeram, evidenciando sua reversibilidade e o risco que haveria em torná-las invisíveis.

 

Sequestro de Naama Levy, por Elisabetta Furcht 

Cada conflito armado é acompanhado, ritualmente, pela circulação de imagens de violência e por um debate sobre até que ponto é preciso mostrá-las à população. Os pontos de tensão estão ligados, antes de tudo, às perspectivas do lado dos profissionais: em campo os fotojornalistas se empenham em cobrir o acontecimento, tendo sempre em mente que suas imagens poderiam um dia servir de prova em um julgamento internacional; o que lhes confere uma certa nobreza e uma importância histórica potencial. Do lado das redações de imprensa, a tendência é mais a de invisibilizar a violência, para evitar qualquer acusação de voyeurismo, exceto quando se trata de denunciar e documentar crimes contra civis, também aí numa perspectiva probatória. Assim, durante o conflito ucraniano, as imagens dos cadáveres encontrados em Butcha, em março de 2022, foram mostradas frontalmente na imprensa de forma generalizada. De maneira bastante excepcional, o New York Times publicou na capa de sua edição de 7 de março de 2022 uma fotografia de Lynsey Addario, experiente fotojornalista americana, mostrando os corpos de uma família ucraniana morta por um ataque russo enquanto tentava deixar Irpine de trem. Nesse caso, a vontade midiática de testemunhar ataques contra civis permitiu ultrapassar os limites habituais do que se pode mostrar. Em contrapartida, do lado dos psicólogos, desaconselha-se a exposição a imagens de violência em nome da prevenção de traumas futuros ou de sua banalização.

Para além dessas questões profissionais, há um impressionante e recorrente arsenal argumentativo que, na maioria das vezes, serve para justificar a ocultação das imagens de violência ao público: recusar a complacência sádica, evitar replicar uma propaganda estrangeira, suprimir imagens consideradas com pouco lastro, respeitar a legislação em vigor que, na França, regula de forma drástica esse tipo de imagens, respeitar a dignidade das vítimas e, no fundo, sobretudo evitar o surgimento de emoções desagradáveis para o espectador (estupor, terror, nojo, cólera). Os vídeos e as fotos que podemos ver são, na realidade, todas “sobreviventes”, que passaram pelo crivo da autocensura midiática e emocional. De maneira mais subterrânea, a ideia de um “irrepresentável” da violência extrema, que Claude Lanzmann havia teorizado a partir da ausência de imagens do próprio empreendimento exterminador da Shoah, parece ter-se estendido a todas as formas de violência, mesmo quando imagens estão disponíveis.

As imagens de 7 de outubro, data do ataque do Hamas contra Israel, não fogem à regra. As mais conhecidas, já difíceis de assistir, são aparentemente as mais suportáveis e, entre a montagem de mais de 40 minutos mostrada a políticos e jornalistas pelo governo israelense, e os testemunhos de sobreviventes e socorristas sobre as atrocidades cometidas naquele dia, e não fotografadas, existe um “continente invisível” de imagens desse acontecimento que torna ainda mais delicado imaginar a intensidade de sua violência. Responsável pela recuperação dos corpos, um dos primeiros socorristas a chegar ao local onde se realizava a rave Festival Nova, abalado pelo que via, declarou ter tirado fotos de corpos de mulheres supliciadas, para depois apagar as mais duras a fim de evitar que fossem objeto de um uso midiático incontrolável. Retrospectivamente, hoje ele não se perdoa por ter “perdido essas provas”. Sem dúvida também não havia previsto que a realidade e a dimensão do massacre seriam tão rapidamente contestadas por alguns ditos apoiadores da causa palestina. Assim, para o 7 de outubro, numerosos crimes jamais terão sua imagem correspondente, e o descompasso é marcante entre as descrições das atrocidades feitas pelas testemunhas (corpos mutilados, dilacerados e carbonizados, cadáveres de mulheres nuas com a bacia fraturada, crianças mortas nos kibutzim) e a ausência de sua representação visual.

 

O Hamas equipou seus membros com câmeras para literalmente “realizar” o massacre e depois difundi-lo mundialmente, contando com os meios de comunicação e as redes sociais.

 

Apesar disso, o evento foi acompanhado por um cortejo de imagens feitas em grande parte pelos próprios milicianos do Hamas, que pretendiam documentar sua ação e inscrever-se numa lógica de demonstração de eficácia, como já faziam a Al-Qaeda e o Daesh havia muito tempo em seus atentados e execuções sumárias. Esse gesto inscreve-se ao mesmo tempo em uma lógica propagandística, para significar seu domínio sobre os territórios e os corpos, e em uma lógica de terror em relação às populações locais e ao Ocidente, a quem essas organizações se dirigem ao filmar as torturas e os assassinatos em alta definição, apoiando-se em um estúdio dedicado, o Al-Hayat Media Center, e imitando as produções hollywoodianas — aqui não ficcionais —, numa vontade de tudo mostrar e de “ver em detalhe”. Para o historiador Tal Bruttmann, o Hamas equipou seus membros com câmeras para literalmente “realizar” o massacre e depois difundi-lo mundialmente, contando com os meios de comunicação e as redes sociais. A morte já não é infligida em segredo, em lugares distantes e fora dos olhares; ela é reivindicada com orgulho e filmada para uma publicização máxima. Mas, contra as intenções iniciais dos cinegrafistas, que documentam seus “troféus”, é possível confrontar-se com a violência dessas imagens.

 

Imagens de sequestros

Dos 240 raptos realizados – entre os quais se contam 35 crianças – vários vídeos foram particularmente exibidos no próprio dia e nos dias seguintes. Entre os vídeos divulgados, está a captura de Noa Argamani[1] e de seu companheiro, o embarque em uma jipe de Naama Levy[2], e a exibição do corpo nu de Shani Louk[3], sobre o qual já escrevi. Outros vídeos mostram a repetição do mesmo modus operandi, com idosas levadas em motocicletas, ou as imagens de Evyatar David, um jovem de 22 anos que participava do festival, jogado na traseira de uma caminhonete onde aparentemente se encontram outros israelenses, algemado, sem camisa, golpeado com coronhadas, e depois filmado em sua chegada a Gaza, onde um miliciano encapuzado e armado o mantém sob o braço para escoltá-lo.

Entre as diferentes fases do ataque do Hamas, sem que se saiba bem o que foi preparado e o que foi improvisado, uma consistia em matar alvos civis e militares (274 soldados estão entre as 1.200 vítimas, cerca de vinte continuam em cativeiro e excluídos das negociações) e outra em transferir violentamente pessoas para Gaza, com vista à sua possível destruição. A filmagem desses sequestros foi central na comunicação do Hamas, ao passo que os assassinatos em si não foram divulgados (se é que foram filmados), enquanto, em comparação, os cartéis mexicanos, por exemplo, não filmam os sequestros, mas sim a execução e a exibição dos corpos. Nos três vídeos, as prisioneiras aparecem amarradas e colocadas em veículos que partem em direção a Gaza, deixando o cinegrafista num ponto fixo e levando os reféns a um local de detenção difícil de imaginar. A imagem dos jipes e das caminhonetes que se afastam funciona como a metonímia do destino de um arrancamento de sua terra e da passagem para o poder absoluto de indivíduos estrangeiros. Mais tarde surgirão imagens dos carros recebidos triunfalmente em Gaza, bem como informações sobre reféns detidos em túneis ou mesmo na residência de seu sequestrador (como no relato feito por Mia Schem, libertada em 30 de novembro de 2023).

 

Sequestro de Daniella Gilboa, por Elisabetta Furcht 

Essas imagens são imagens de controle dos corpos, em particular dos corpos femininos. Em 23 de maio de 2024, as famílias de várias reféns divulgaram um vídeo do Hamas, expurgado de suas passagens mais violentas, no qual se vê Naama Levy e outras quatro jovens reféns, algemadas e feridas (uma inconsciente no chão, duas outras em silêncio), depois embarcadas em um caminhão por homens armados. Nessa grande sala branca onde mais de uma dezena de homens se movimentam e depois rezam, a dimensão política da ação — desestabilizar o Estado israelense, mostrar a força armada do Hamas, minar os Acordos de Abraão, recolocar a questão palestina na agenda — se esvai em favor da redução dessas mulheres à sua “vida nua”, segundo a expressão que Giorgio Agamben toma de Walter Benjamin, isto é, a vida destinada à morte, e do despojamento dos sujeitos de todos os seus direitos. Um dos milicianos, aliás, ameaça matá-las. Para os homens do Hamas, essas reféns não são simplesmente prêmios de guerra, mas mulheres cujo corpo está doravante colocado à sua disposição. “Aqui, há garotas que podem engravidar”, diz um deles, antes de fixar o olhar em uma delas e declarar: “Você é bonita demais”. Os estupros, sem dúvida, já haviam ocorrido, mas aqui eles se anunciam como o próprio programa da detenção e como arma de guerra reivindicada e assumida.

Noa Argamani, por sua vez, é separada de seu companheiro, Avinatan, e colocada em uma motocicleta entre dois homens. Uma análise do canal NBC sugere que ela não teria sido sequestrada por combatentes, mas por habitantes de Gaza que seguiram a incursão do Hamas. Mais tarde, um vídeo mostrará Noa Argamani sentada no sofá de um apartamento comum, e ela será finalmente libertada pelas forças especiais do exército israelense no início de junho, sem seu companheiro.

 

A viralização das imagens de 7 de outubro as torna apropriáveis tanto para a denúncia, a mobilização, quanto para o reenactment, isto é, a recriação da imagem como arma política.

 

Na traseira de uma caminhonete aberta, o corpo de Shani Louk é esmagado por homens armados que gritam. Ao lado do veículo, um homem cospe em sua cabeça ensanguentada, e em seguida o veículo também se afasta. Enquanto Shani Louk está praticamente nua, Naama Levy – retirada do porta-malas de um 4×4 por um homem armado que grita “Allah Akbar” e levada para a parte traseira do veículo – veste um agasalho esportivo, está descalça e ferida nas mãos, no braço e nos pés. Sobretudo, sua região pélvica está ensanguentada, sinal de que foi violentada, e de que os membros do Hamas deixam, portanto, circular imagens suscetíveis de servir de prova contra eles, em nome da “vitória” que esse rapto representa. O filme que mostra Naama Levy funciona de modo diferente dos que mostram os sequestros, pois se situa no ponto de chegada, Gaza, e deixa fora do olhar o tempo que o precede, o das violências sexuais e das agressões de que ela traz os estigmas. Vistos ao mesmo tempo, esses vídeos podem de fato compor uma sequência completa: captura, estupro e claustro em Gaza. Sequência à qual seria preciso acrescentar as imagens anteriores dessas três mulheres — fotos familiares ou publicadas na Internet — e que, montadas todas juntas, exprimem seu destino visual trágico.

São imagens tão contrastantes que não deveriam jamais se encontrar. Assim, nas redes sociais, por exemplo, é o destino dramático de Shani Louk que é reconstituído, no modo “veja até o fim”, mostrando-a primeiro sorridente e brincalhona, depois estendida de bruços no porta-malas da caminhonete. A montagem busca aqui o limite da consciência, pois nada liga logicamente a vida escolhida e a morte infligida de Shani Louk. Essa mesma lógica do antes/depois aparece no Daily Mail de 8 de janeiro de 2024, jornal britânico de grande circulação, que publica as fotos, extraídas de um vídeo do Hamas, das jovens reféns com o rosto ensanguentado e atônito, em contraponto com seus retratos de antes, para mostrar o que uma captura produz fisicamente e chamar a atenção para o seu destino. Até onde sabemos, essa montagem não teve equivalente na mídia francesa, aparecendo apenas sob a forma de cartazes nos muros. Essa prática tradicional de apoio à reféns por meio da afixação de seus retratos — aqui por iniciativas privadas — foi, aliás, alvo de um iconoclasmo popular antissionista que arrancou essas imagens por toda Paris, sem que esse fenômeno tenha sido particularmente questionado.

O traço de sangue na calça branca de Naama Levy é o ponto focal do olhar, como a cristalização do horror daquele dia de violência, em que homens armados fizeram prisioneiras meninas muito jovens. Ora, nesse contexto, quanto mais os milicianos do Hamas sexualizam as reféns, mais despolitiza sua ação. O conflito israelo-palestino é, de fato, estranho ao corpo das mulheres civis, e nele só se entra pela violência. Se a politização é uma elevação da ação a uma dimensão geral ou o apelo a um terceiro com vistas à resolução de um conflito, a violência a portas fechadas exercida contra as mulheres encarna o momento em que esse conflito é o menos político, e pertence então a outra ordem, entre a crueldade e a importunação cuja prática existe em outros lugares.

 

Reversibilidade das imagens

Lá onde o Hamas pretendia capturar mulheres numa total indistinção, suas próprias imagens permitiram sua identificação e nomeação. Noa Argamani foi perfeitamente reconhecida por seus próximos, pois o vídeo, filmado de muito perto, a mostra de frente. Do mesmo modo, foi ao ver as tatuagens em suas pernas que a mãe de Shani Louk a reconheceu. Em vez de troféus, essas imagens percorreram imediatamente as redes sociais, desconsiderando as habituais reservas quanto à dignidade das vítimas, para sinalizar seu sequestro, convocar à mobilização e lembrar sua vida e sua memória. À indistinção, trata-se de opor identidades individuais; não simplesmente mulheres visadas como “judias” ou como “israelenses”, mas seres que até então haviam tido trajetórias singulares.

Contra as intenções iniciais dos que registraram as imagens, que documentam seus ‘troféus’, é possível confrontar-se com a violência dessas imagens.

Essas imagens de violência extrema se converterão em objeto de uso político, para pressionar o governo israelense, para denunciar, mesmo diante de dificuldades inacreditáveis, a violência contra as mulheres e, novamente, para denunciar as consequências sobre os civis de um conflito que os ultrapassa. A imagem da virilha ensanguentada de Naama Levy vai assim tornar-se icônica e entrar na cultura visual popular: em São Paulo, em 30 de novembro; em Londres, em 26 de janeiro; ou em Paris, em 8 de março (num contexto de fratura do movimento feminista francês), durante manifestações pela libertação dos reféns e contra as violências sexuais, manifestantes usaram o mesmo moletom manchado de sangue que o de Naama Levy, chegando até a retomar suas posturas, mãos algemadas e corpo segurado por um carcereiro. A viralização das imagens de 7 de Outubro as torna apropriáveis tanto para a denúncia, quanto para a mobilização e para o reenactment, isto é, a recriação da imagem como arma política em um contexto mais pacificado, como se fosse preciso prolongar o vídeo inicial, recriar dezenas de figuras da Naama Levy do dia de sua captura, falar de sua angústia e mostrar publicamente o que ela sofreu, diante daqueles que não teriam visto as imagens ou as contestaram. O reenactment permite, de fato, arrancar do Hamas suas próprias imagens para se apropriar delas, dominá-las, multiplicá-las em outros lugares e transformá-las em um elemento do repertório de contestação e de emoção coletiva. Esse tipo de reapropriação inscreve-se na mesma dinâmica que o uso das roupas vermelhas da série distópica The Handmaid’s Tale em manifestações pelo livre dispor do corpo das mulheres, ou no gesto de um artista anônimo que se deitou nas ruas de Moscou retomando a posição de um dos corpos fotografados em Bucha, com as mãos amarradas nas costas. Também aí trata-se de resistir, pelo happening e pela performance, ao negacionismo e ao iconoclasmo.

A tentativa propagandística do Hamas, portanto, não chega sem filtro ao Ocidente, e os espectadores puderam inverter a leitura das imagens que viam. Tipicamente, essas imagens constituíam uma reivindicação imediata da ação, uma assinatura filmada, de rosto descoberto e sem intermediários, fechando a porta a qualquer contestação de seus autores. Sua reversibilidade se opera em todos os domínios: onde o Hamas encena a façanha guerreira de seus homens, veem-se mulheres desarmadas e maltratadas, num contraste de gênero marcante; onde o Hamas busca o feito espetacular, vê-se um ato que visa essencialmente civis e que, a esse título, se enquadra no terrorismo, ou mesmo no crime hediondo; onde o Hamas pretende provocar uniformemente o medo, provoca também a raiva, o luto, a consternação, a empatia, e um ódio, do lado israelense, que atiça o fogo das represálias.

 

Sequestro de Naama, Liri, Agam, Karina, por Elisabetta Furcht 

Tudo é oposição nessas filmagens: oposição de posturas e sons entre milicianos agitando-se e gritando, erguendo suas armas, e vítimas aterrorizadas ou, como Shani Louk, imóvel, provavelmente já morta. Como no atentado de Bataclan, oposição entre uma rave party despreocupada e a irrupção de uma violência que a encerra em sangue. Oposição entre o espaço da festa e o da guerra, simbolizado aqui pelas metralhadoras e jipes. Oposição entre as fotografias das jovens antes de seu sequestro, mostrando-as “na época”, entre amigas, posando para as redes sociais, e o seu rapto improvável, já que esse modo de ação não era o mais comum do lado palestino e dizia respeito apenas a um número reduzido de indivíduos (como o caso do soldado Gilad Shalit, sequestrado em 2006 e libertado em 2011 em troca de 1000 prisioneiros palestinos). Todas essas oposições reconduzem, na realidade, ao descompasso inicial entre universos que “não deveriam” se encontrar e que o terrorismo faz convergir: o da violência armada e o dos civis.

A reversibilidade das imagens atinge também os israelenses, que difundiram vídeos de prisioneiros palestinos despidos – sem dúvida para se assegurar de que não portavam explosivos nem armas –, mas que foram vistos no Ocidente como prova de maus-tratos e humilhações, assim como imagens de soldados posando de maneira inapropriada em apartamentos de Gaza ou se regozijando de suas ações. Essas últimas imagens se inscrevem facilmente no enquadramento midiático habitual do conflito israel-palestina, que desde a Primeira Intifada enfatiza a denúncia da brutalidade israelense e a deslegitimação de suas ações. Ao contrário, as imagens do 7 de Outubro tiveram imediatamente um efeito marcante porque escapavam a esse enquadramento e não entravam no “grande relato” do fraco contra o forte em um conflito assimétrico entre israelenses e palestinos. Daí o desejo, em meios pró-palestinos, de apagar esse dia e essas imagens, e de negar as violências, em particular os estupros de mulheres. Até então, os civis israelenses mortos o eram em atentados que, com algumas exceções, como o da discoteca Dolphinarium em 2001 (21 mortos), eram em geral minimizados na Europa e compreendidos dentro da ladainha da violência regional. A escala inédita do 7 de Outubro, suas modalidades (pessoas assassinadas em seu próprio apartamento, sequestros, confrontos diretos de várias horas entre milicianos do Hamas e vítimas) e a escolha deliberada de visar também civis, abalaram o tratamento midiático clássico do conflito israel-palestino.

As imagens do 7 de Outubro tiveram, desde o início, um efeito marcante porque não se inscreviam no “grande relato” do fraco que se opõe ao forte em um conflito assimétrico entre israelenses e palestinos.

O fato de que vídeos de capturas tenham sido difundidos tanto tempo depois dos acontecimentos levanta, aliás, a questão de sua possível invisibilização em 7 de Outubro. As emissoras de televisão, por exemplo, transmitiram pequenos trechos dos sequestros, mas dispunham de registros mais longos? Retomamos aqui a questão de uma pragmática da visibilidade desse conflito, sobre a qual Daniel Dayan trabalhou longamente, ao sustentar que a visibilidade ou a invisibilização de certas imagens pertence ao “fazer”, isto é, a uma escolha jornalística implícita e frequentemente politizada. A visibilização do conflito israel-palestina desde 1967, com uma cristalização a partir das Intifadas, funciona sobre “enunciados vereditivos”, no sentido de J. L. Austin [- atos de fala que proferem um julgamento ou atribuem uma responsabilidade -], que exigem do espectador a designação de um culpado e a escolha segura do “bom lado”. Esses enunciados ideológicos são divisíveis e fazem de Israel e do sionismo os culpados indiscutíveis. No caso do ataque de 7 de Outubro, a culpabilização da vítima [victim-blaming] também se exerceu plenamente, a violência sendo dita provocada por aqueles que a sofrem, e o terrorismo, em última instância, justificado. Ter imagens de israelenses sofrendo não entrou, portanto, na doxa dada pelo enquadramento midiático, e em vez de serem percebidas como imagens aterrorizantes de uma violência infligida a civis e a mulheres, elas funcionaram para muitos no Ocidente como sinal de que era novamente possível atacar judeus. Essa foi a reversibilidade mais inesperada dessas imagens: uma violência localizada autoriza uma violência globalizada e oferece a ocasião histórica de acabar com o Estado de Israel e seus supostos cúmplices.

 

Mostrar a violência

Desde seu nascimento no final do século XIX, a fotografia se interessou pela guerra (guerras da Crimeia e de Secessão), e hoje os próprios agentes da violência a documentam. No entanto, o olhar sobre a violência permanece delicado, cercado de prudência e tabus, de sensibilidades e censura, de tradições nacionais e de tradições midiáticas. A cada conflito, a questão da exibição da violência, das vítimas e dos cadáveres se coloca novamente, como se fosse impossível inventar uma jurisprudência clara da visibilidade. O ponto de discussão não diz respeito apenas à tensão entre o que deve ser mostrado e o que deve ser escondido, ou entre imagens que refletem o ponto de vista dos algozes e outras o das vítimas, mas sim à afirmação de que nada é irrepresentável a priori, e de que, se imagens existem, elas constituem fontes importantes para o público, os jornalistas e os pesquisadores. As imagens de violência não são menos informativas que as demais, nem de uma natureza diferente que exigiria sua invisibilização. A recusa das imagens de violência é, na verdade, uma recusa da violência do mundo, que corre o risco de torná-la irreal e de nos deixar incapazes de compreender por que ela faz sentido para aqueles que a utilizam. “É a imagem da realidade que é suspeita por sua vez. Julga-se que o que ela mostra é real demais, intoleravelmente real demais para ser proposto na forma de imagem”, escreve Jacques Rancière em O espectador emancipado. Rejeitar a imagem equivale então a rejeitar um real insuportável. Seja porque é considerado demasiado violento, seja porque é politicamente preferível silenciá-lo e apagar-lhe os vestígios, para em seguida começar a negar que tenha acontecido, sem que as imagens, tornadas invisíveis, possam ser doravante contrapostas. É preciso acrescentar ainda a suspeita permanente de que a imagem é enganosa por essência, ao passo que o texto e a voz seriam sempre autênticos. A fotografia perturbaria o texto ou o comentário que a acompanha, concorreria com ele, o enfraqueceria se o seu conteúdo fosse demasiadamente impactante, e o receio é que o “choque das fotos” se sobreponha ao “peso das palavras”. De fato, esse célebre slogan foi frequentemente confirmado quando uma foto, tornada icônica, apagou o artigo que a cercava: há sim um “peso das fotos” e um depósito na memória visual.

A recusa das imagens de violência é, na verdade, uma recusa da violência do mundo, que corre o risco de torná-la irreal e de nos deixar incapazes de compreender por que ela faz sentido para aqueles que a utilizam.

Ao irrepresentável por princípio da violência, é preciso, ao contrário, opor a necessidade de mostrá-la, de analisá-la, de capturar o que pode ter escapado aos que a registraram, de não deixar apenas à ficção a tarefa de tratar da violência, de não censurar uma verdade visual, de trabalhar essas representações como fontes historiográficas e como uma maneira de figurar o inimaginável e o impensável, como faz Georges Didi-Huberman a partir das quatro imagens arrancadas de Auschwitz por membros de um Sonderkommando.

A questão pendente torna-se então a de saber que relação podemos ter com essas imagens e como podemos estudá-las, superando nossas defesas, nossas sensibilidades do momento, sem deixá-las apenas aos historiadores do futuro[4]. Devemos ser contemporâneos das imagens do acontecimento assim como o somos do próprio acontecimento. Elas são aqui uma entrada na ruptura sem precedente recente que marca o 7 de Outubro e que, depois de 80 anos de trabalho pedagógico pós-Shoah na Europa, remete novamente os judeus à sua “vida nua”, sem proteção (do próprio Estado, neste caso), sem direitos, homens e mulheres sacrificadas sem culpa.

Confrontar-se então com essas imagens é ter acesso a uma paleta de emoções que não apenas a do terror — a compaixão, sobretudo —, é provocar comportamentos, uma revolta ou até mesmo um engajamento diante da violência contra os civis, é ter acesso a informações, desconstruir uma propaganda, documentar uma situação, ou ainda identificar assassinos para uma eventual ação judicial. Se o terrorismo transforma os civis em mortos em potencial, o destino visual dessas mulheres ilustra tragicamente que a imagem, mesmo se captadas por seus algozes, é o único meio de lhes dirigir um olhar.


Emmanuel Taïeb

 

Emmanuel Taïeb é Professor de Ciência Política na Sciences Po Lyon, pesquisador do laboratório Triangle. Editor-chefe das revistas Quaderni e Saison. Última obra publicada: Puissance politique des images, com Ophir Levy (Puf, 2023).

 

Notes

1 De origem sino-israelense (sua mãe é chinesa), Noa Argamani, 25 anos, é estudante de informática. Foi sequestrada no festival de música. Uma foto dela em férias saiu na capa da Paris Match na semana seguinte.
2 Naama Levy, 19 anos, estudante de diplomacia, militante da paz que havia participado de encontros entre israelenses, palestinos e americanos (um de seus discursos pacifistas havia sido filmado), foi sequestrada no kibutz Nahal Oz.
3 Shani Louk, 22 anos, germano-israelense, tatuadora e influenciadora (13 mil seguidores no Instagram), foi sequestrada no festival de música.
4 Ver a discussão entre Michaël Prazan e Jean-Baptiste Thoret, mediada por Stéphane Bou: « Guerre des images. Filmer le crime : des Einsatzgruppen au Hamas », 25 de janeiro de 2024.

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